Dia: 26 de abril de 2023

  • Proteção de dados impacta ambiente empresarial

    Proteção de dados impacta ambiente empresarial

    A proteção de dados é uma preocupação crescente dos CEOs em todo o mundo, conforme apura pesquisa da PWC, revelando o aumento de investimentos em cibersegurança e proteção de dados pelas empresas multinacionais com a adoção de diferentes medidas: 48% irão aumentar os investimentos para se protegerem de cibercrimes, 46% ajustaram a cadeia de suprime igual percentual pretendem expandir sua presença em mercados e negócios, 41% buscam diversificar a oferta de produtos e/ou serviços, 10% vão realocar a força de trabalho e 9% esperam reposicionar ativos físicos.

    Todas essas medidas visam a mitigar impactos diante da exposição de corporações a conflitos nos próximos 12 meses.

    Entre as razões que justificam esse incremento da preocupação com a proteção de dados somam-se as novas regulamentações sobre proteção de dados e a incerteza na geopolítica mundial, notadamente em países que possuem extrema importância no cenário da inovação tecnológica. 

    As empresas têm um longo caminho a percorrer para se protegerem contra violações de dados e outras ameaças

    Nessa esteira, a China já trouxe novas regulamentações em 2022, com a Lei de Segurança de Dados e a regra da Transferência de Dados Transfronteiriça ao abrigo de sua Lei de Proteção de Informações Pessoais (PIPL), que trata da proteção dos direitos e interesses dos indivíduos, bem como a regulação das atividades de tratamento dos dados pessoais mediante protocolo transparente e rígido. 

    Agora, países como Índia, Rússia e os Estados Unidos estão seguindo caminhos semelhantes, criando estruturas normativas que deverão ser cumpridas pelas empresas transnacionais.

    O aumento das instabilidades políticas em alguns pontos do globo é outra preocupação das empresas, capazes de desencadear guerras cibernéticas, assim entendidas como uma forma de conflito em que atores estatais e não estatais usam a tecnologia da informação para atacar e danificar sistemas e infraestruturas críticas como sistemas financeiros, instalações de energia, fornecimento de água e transportes.

    Além desses danos, tais atos podem também ter como objetivo o roubo de informações confidenciais, a sabotagem de sistemas ou até mesmo a queda de governos.

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    Com as novas regulamentações de proteção de dados, é possível que alguns países usem o tema como apoio para restringir o acesso a dados que consideram sensíveis, inclusive dados pessoais. Tal hipótese pode levar a uma escalada na guerra cibernética e tornar o ambiente de negócios ainda mais complexo para as empresas transnacionais.

    À medida que os dados se tornam mais importantes para a competitividade econômica e a segurança nacional, as decisões de aplicação podem parecer arbitrárias e as empresas podem enfrentar dificuldades para navegar em um ambiente regulatório tão complexo.

    Diante desse cenário, as empresas que não dão atenção à proteção de dados podem sofrer com as consequências de uma eventual guerra cibernética, o que leva ao aumento dos cuidados com segurança de seus ambientes e treinamento de seus colaboradores e stakeholders.

    Adicionalmente, a proteção da propriedade intelectual (PI) é uma preocupação crescente. As empresas temem que as auditorias possam expor informações sensíveis a olhos concorrentes. Com a rápida melhoria da inteligência artificial, que analisa os vastos repositórios de dados existentes, essas informações se tornam cada vez mais valiosas para empresas privadas e governos.

    Todavia, metade dos líderes empresariais entrevistados na pesquisa afirmam que não se sentem confiantes com a governança e segurança de dados de suas organizações. Isso sugere que as empresas têm um longo caminho a percorrer para se protegerem contra violações de dados e outras ameaças.

    Como plano de ação para alterar esse panorama, recomenda-se que as empresas multinacionais adotem uma visão mais ampla sobre se a entrada em um mercado atende a seus objetivos estratégicos mais amplos e sua própria segurança. 

    Para tanto, devem levar em consideração as normas de proteção de dados, a aplicação interna do privacy by design, adotar medidas para proteger seus dados confidenciais e segredos de negócio, bem como garantir os devidos treinamentos para que seus funcionários estejam cientes das políticas de proteção de dados e que saibam como lidar com dados sensíveis. Isso inclui treinamento para detectar e relatar violações de dados.

    Além disso, os conglomerados devem se atentar às movimentações geopolíticas da proteção de dados como, por exemplo, os debates das normas de proteção de dados no Reino Unido para modificar o status quo das normas de proteção de dados pessoais em seu território.

    Isso inclui estarem cientes de como as regulamentações podem ser usadas para restringir  o acesso a dados em países específicos e como isso pode afetar os negócios. As empresas também devem ter planos de contingência em vigor para lidar com a interrupção do acesso a dados em diferentes países. 


    Paulo Vinícius de Carvalho Soares é sócio e Data Protection Officer do Lee Brock Camargo Advogados 

  • Como separar o direito autoral humano dos “direitos” da IA generativa

    Como separar o direito autoral humano dos “direitos” da IA generativa

    Uma simples história em quadrinhos de ficção científica encabeça o debate sobre os direitos autorais da inteligência artificial, intitulada “Zarya of the Dawn“, de autoria da artista Kristina Kashtanova, que  utilizou recursos da IA Generativa para elaborar as imagens da obra. 

    A história trata de uma personagem não binária (Zarya) que atravessa “diferentes mundos para reunir ferramentas de saúde mental para poder lidar com suas emoções e pensamentos e encontrar conexão com outras pessoas e criaturas.”1

    Nos Estados Unidos, o  Escritório de Direitos Autorais (US Copyright Office- USCO) , que “registra reivindicações de direitos autorais, informações sobre propriedade de direitos autorais, fornece informações ao público e auxilia o Congresso e outras partes do governo em uma ampla gama de questões de direitos autorais, simples e complexas“.2

    Ganhou novas prerrogativas diante da dimensão que o direito autoral adquiriu no ambiente digital e divulgou novas diretrizes , determinando que as obras devem obrigatoriamente comunicar a inclusão de conteúdo gerado por IA para reivindicar direitos autorais.

    No caso de Kashtanova, o Escritório havia concedido inicialmente os direitos autorais que, em nova análise, revogou quando veio a público o uso de IA no processo de criação da imagens. Recentemente, o órgão, em nova  avaliação, reviu sua posição e concedeu o registro parcial , excluindo o trecho produzido pela IA. 

    Portanto, o registro de direito autoral abrange somente a autoria original da autora, sendo que as imagens geradas pelo Midjouney (programa semelhante ao ChatGPT) não possuem direitos autorais protegidos.

    Nessa construção dos direitos autorais envolvendo  IA, o escritório americano não acatou a argumentação da autora de que utilizou Prompts de textos para gerar as imagens pela IA, uma vez que entende que  tecnologia não permite controle sobre essa criação, não sendo possível dizer que tem autoria humana. 

    A IA emprega algoritmos de aprendizado para criar novos conteúdos, que podem ser considerados plágios de outros trabalhos, outras fontes, o que comprometeria o resultado “original” da obra gerada, impossibilitando que obtivesse proteção  quanto aos direitos autorais. Em sua decisão, o escritório utilizou como comparativo o trabalho de um fotógrafo, que tem controle sobre a fotografia final porque pode interferir na iluminação, enquadramento,  tema etc.

    O grande imbróglio de uma obra gerada pela tecnologia de IA é tentar decifrar qual o nível do envolvimento humano no processo de criação. Somente selecionar prompts não assegura ao autor o status de “autoria humana“, segundo entendimento do escritório americano de direitos autorais.

    O que é um processo de criação? Essa pergunta comporta muitas respostas por envolver o fazer artístico: Pode ser inspiração divina? Um dom nato? O esforço que envolve um trabalho criativo?

    Enfim, o ato de criar ou a criatividade, poderia ser definida como sendo a aptidão da inteligência que permite a reorganização dos dados, no intuito de associá-lo e combiná-lo para a solução de problemas. Esta atitude da inteligência estaria diretamente relacionada à faculdade de criar, de idealizar e de conceber, correspondendo, em sentido amplo, à causa formal aristotélica.

    Enfim, seria a faculdade de proporcionar soluções adequadas a novos problemas, E em um sentido estrito, a faculdade da produção criadora“3 (TAVARES, 2011).

    O USCO tem em suas manifestações buscado explicitar a participação do autor humano em conteúdo gerado por tecnologia e IA generativa e tem reconhecido que dependendo do nível dessa contribuição, uma obra pode ser considerada de autoria  humana e de proteção autoral. 

    O reconhecimento da história de Kristina Kashtanova é um fato inédito e pode se tornar um leading case. Há muitos casos no mercado que estão chegando para desafiar os tribunais no sentido de que um trabalho foi produzido com base no estilo de determinado artista, sem o seu consentimento.

    Ainda há muita insegurança no cenário jurídico em relação a obras geradas por IA, e outros países podem ter entendimentos diferentes sobre a proteção legal dessas obras, como é o caso do Reino Unido, que tem trabalhado para atualizar suas leis de direitos autorais para incluir obras geradas por IA, com parte de um esforço mais amplo para modernizar a legislação de direitos autorais.

    Atualmente, temos exemplos de criadores que afirmaram ter aprimorado os prompts e intervindo manualmente no produto final geral pela IA generativa para ter seu direito autoral reconhecido pelo Departamento norte-americano de direitos  autorais. 

    A grande dívida, porém, reside em uma etapa anterior: é possível treinar um modelo de IA de domínios protegidos por direitos autorais? O volume de dados, sejam textos, imagens ou códigos, é de tal magnitude  que mesmo uma pesquisa para determinar se tal dado é protegido pode falhar, o que consiste em um risco a ser levado em conta. Nos Estados |unidos, há a doutrina do “uso justo” para emprego não comercial  e educacional, caso de pesquisas acadêmicas e de organizações sem fins lucrativos.

    Contudo, é possível treinar a IA generativa com base em todos os livros do escritor Thiago Nigro, o autor brasileiro que vendeu mais livros em 2021, e produzir uma nova obra com objetivos comerciais? Talvez, mas a nova obra poderia parar nas barras de um tribunal por envolver questões legais de direitos autorais ou compensações para a parte que teve seu direito violado. 

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    Segundo analistas do universo jurídico, o número desse tipo de  ações  ainda não ganhou grandes dimensões porque os artistas não possuem recursos para bancar esse tipo de litígio, extremamente custoso e  longo.

    Considerando a interpretação e aplicação das leis de direitos autorais em cada país, as audiências agendadas pelo Escritório de Direitos Autorais americano para discutir a criatividade da inteligência artificial generativa e os direitos autorais nos EUA podem ter um forte impacto no Brasil e no mundo.

    Essa discussão pode ser complexa, assim como ocorreu na época da primeira codificação internacional dos direitos autorais, em 1886, quando havia muitas variáveis e naquela época houve algumas controvérsias em relação a alguns aspectos da convenção, por exemplo, alguns países argumentavam que a convenção favorecia, principalmente, os países mais desenvolvidos, que tinham um maior número de obras protegidas pelos direitos autorais.

    Além disso, havia preocupações sobre como a convenção afetaria as indústrias culturais em países que não tinham tradição em proteção aos direitos autorais.4

    Assim, a discussão atual sobre os direitos autorais na era da IA generativa pode ser muito significativa e complexa, envolvendo diversos atores e com potencial impacto em nível global.

    O processo criativo pode ser influenciado por referências artísticas ou acadêmicas e a IA generativa pode ser uma ferramenta valiosa para pesquisas, desde que o usuário possua o conhecimento técnico necessário.

    Em relação ao caso de Zarya, é possível que sua criadora tenha utilizado somente seus próprios inputs, sem se basear em referências artísticas de outros criadores, o que pode ser questionável do ponto de vista artístico. Essa discussão destaca o papel da tecnologia na criação artística e reforça a importância do conhecimento técnico e das referências no processo criativo.


    1 Disponível aqui.

    2 Disponível aqui.

    3 TAVARES, Monica. Processo de Criação na Arte. Disponível aqui.

    4 Disponível aqui.